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quinta-feira, 1 de julho de 2010

A INFLUÊNCIA DO FATOR SÓCIO-ECONÔMICO NA FALA DOS MORADORES DE SERRA NEGRA - BA. (Por William Paulo S Souza)








Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Campus XX – Brumado Bahia
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT









A INFLUÊNCIA DO FATOR SÓCIO-ECONÔMICO NA FALA DOS MORADORES DE SERRA NEGRA - BA.


























Brumado
2010


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Campus XX – Brumado Bahia
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT














A INFLUÊNCIA DO FATOR SÓCIO-ECONÔMICO NA FALA DOS MORADORES DE SERRA NEGRA - BA.


William Paulo Da Silveira Souza.


Prof. Gislene Souza Camargo
(orientadora)













Brumado
2010
William Paulo Da Silveira Souza.

A INFLUÊNCIA DO FATOR SÓCIO-ECONÔMICO NA FALA DOS MORADORES DE SERRA NEGRA - BA.














Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT, Campus XX, Brumado, como requisito parcial para a obtenção do Título de Graduação em Licenciatura em Letras Vernáculas.






Orientadora: Gislene Souza Camargo












Brumado
2010
DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho ao povo forte da região de Serra Negra, Lagoa do Sal, Adobo, Caetano e Santo Antônio no município de Aracatu – Bahia.






























AGRADECIMENTOS

Primeiro a Deus. Fonte de toda inspiração. Agradeço também a todos professores, em especial o professor Cristiano Jutgla, Professor Manuel Castrilon, professora Evanilda Mascarenha, Luzimare e a professora Gislene. Acredito que a busca pelo conhecimento deve ser constante e a formação do homem se faz com a ajuda e contribuição de outros homens. Esses heróis contribuíram direta e indiretamente na elaboração deste estudo. E nos momentos difíceis e de solidão, foram suas vozes, sorrisos e gestos (ainda hoje ecoando em minha lembrança) que me incentivaram a não desistir. Por isso acredito que nossa luta em sala de aula não é em vão e de fato, o que fazemos em vida, ecoa por toda a eternidade.




































































A liberdade estimula o espírito dos homens fortes.
Do filme: La Lengua de las Mariposas.
William Paulo da Silveira Souza




A INFLUÊNCIA FATOR SÓCIO-ECONÔMICO NA FALA DOS MORADORES DE SERRA NEGRA - BA.




Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT, Campus XX, Brumado, como requisito parcial para a obtenção do Título de Graduação em Licenciatura em Letras Vernáculas.
Orientadora: Gislene Souza Camargo.
















Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profª Gislene Souza Camargo
_____________________________________________________
Profª
_____________________________________________________
Profª
RESUMO

Este trabalho ressalta a influência fator sócio-econômico na fala dos moradores da comunidade de afro descendentes conhecida como Serra Negra, Aracatu-Ba. Em poucas palavras, examina as condições pobres e rústicas que estas pessoas enfrentam em termos de educação, saúde e economia também. Neste estudo, conversamos com pessoas desse local e foi possível ver a pobreza em muitos casos. Então, como já foi dito, este trabalho especificamente analisa a influência dos fatores sociais e econômicos refletidos na linguagem.

Palavras-Chaves: Fatores Sociais, Fala, Comunidade, pobreza, Analisar, Influência e Linguagem.





















ABSTRACT

This study outlines the influence of the social and economical factors on the speech of the people living in a black community known as Serra Negra, Aracatu-Ba. (Brazil). It, in a few words, examines the poor and rough conditions these people are facing in terms of education, health and economy too. In this study we talked to people of this community and it was possible to see the poor living conditions in many cases. So, as we have said, this survey specifically analyzes the influence of social and economical factors reflected in language.

Keywords: Social factors, Speech, Community, Rough Conditions, Analyze, Influence and Language.
































SUMÁRIO


1 INTRODUÇÃO .....................................................................................11
2 UM “CÓDIGO RESTRITO ...................................................................15
3 ESTIGMATIZAÇÃO DAS VARIANTES LINGUÍSTICAS
E IDENTIDADE........................................................................................20
4 BREVE HISTÓRICO DA LÍNGUA PORTUGUESA..............................23
4.1 A IMPORTÂNCIA DOS AFRICANOS NA DIFUSÃO
DO IDIOMA LUSO- BRASILEIRO ........................................................25
5 VARIANTES LINGUÍSTICAS DA COMUNIDADE DE
SERRA NEGRA.......................................................................................29
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................34


1 INTRODUÇÃO


Ao longo da história da humanidade e por incontáveis dias, muitos homens e mulheres lutaram e ainda continuam a lutar em defesa da igualdade racial e pelo fim do preconceito de cor da pele. Por cerca de trezentos anos o homem branco europeu escravizou e destruiu seus semelhantes em nome do progresso e do desenvolvimento. Destruiu-se não apenas o homem, mas gerações inteiras juntamente com um legado cultural imensurável representando assim, um prejuízo incalculável ao acervo humano-cultural para a humanidade. Fala-se em comércio de seres humanos, genocídio e Apartheid, mas nos dias atuais a escravização de vidas e consequentemente o preconceito, tem assumido formas diferentes. Os grilhões e algozes da era moderna se tornaram invisíveis, silenciosos, sutis e, portanto, multifacetados, inclusive encontrando apoio nas leis e apoio da sociedade para continuar existindo. Na época da grande senzala a escravidão basicamente, tinha como objetivo, o aproveito da força física do indivíduo em nome da economia e do desenvolvimento, sendo este, o indivíduo, tratado meramente como mercadoria e totalmente substituível. Não tendo este qualquer direito no tocante a reconhecimentos individuais ou valores de humanidade. Na casa grande, senzala do século XXI, já não se vê mais os métodos de escravização de antes. Hoje, nossa sociedade utiliza de outras ferramentas para subjugar e promover o novo Apartheid da era moderna. E nesse novo sistema estabelecido e aceito (ideologicamente em várias circunstâncias) entra o fator sócio-econômico, o fator cultural, a fala e até mesmo a cor da pele em muitos casos. Em nosso estudo, iremos focar apenas na fala onde esta é influenciada pelo fator sócio-econômico. Visto que tal característica associada ao discurso do indivíduo nos interessa mais de perto, no que se refere aos estudos lingüísticos; pretende-se, neste breve estudo, demonstrar o quanto essa massa flagelada pela miséria e esquecida dos investimentos do governo e da economia privada deixa transparecer no discurso essa pobreza. Para tal estudo foi escolhida a comunidade de Serra Negra a qual fica a 25 quilômetros da cidade de Aracatu no estado da Bahia e infelizmente possui escasso desenvolvimento econômico. Vale salientar que por motivos geográficos não foi possível entrevistar todos os moradores daquela região, mas acreditamos ter colhido um número razoável de entrevistas que julgamos fazer um bom reflexo da realidade local, ou seja, uma boa amostragem. Como já foi dito nas linhas introdutórias deste texto, a cor e pele do indivíduo foram e tem sido motivos de discriminação em nossa sociedade, mas existe um elemento que foi e tem sido também motivo de segregação: a fala. O professor Dante Lucchesi em O Conceito de Transmissão Lingüística Irregular e o Processo de Formação Do Português do Brasil, define a fala como sendo a segunda pele do indivíduo e sobre esta recai grande preconceito por parte dos que dominam a “norma de prestígio”. E como já foi mencionado, os mecanismos de segregação da era moderna assumem novas faces e, portanto, abrangem um maior número da população brasileira além dos descendentes africanos e indígenas. Assim, entra nessa massa de flagelados toda uma população pobre (incluindo brancos) carente de recursos econômicos, já que em nossa sociedade (teoricamente), dominar as “variedades de prestígios” se faz crucial para alcançar uma posição de destaque, um cargo descente ou ser aceito pelos grupos defensores do “bom falar” e da “boa cultura”.
Em suma, queremos neste breve estudo, oferecer, dentro de nossas possibilidades e recursos, uma análise da influência marcante do fator sócio-econômico na fala dos moradores da região de Serra Negra (a qual até a década de 50 chamava-se, Casa Velha), no município de Aracatu - Bahia. Para tanto, foi utilizado meios de coleta de dados em forma de gravação de áudio (mp3) e transcrições. É importante observar que esta localidade ainda carece de serviços básicos como: educação de qualidade para crianças e jovens, abastecimento de água potável para atender plenamente a demanda, estradas adequadas com acesso à cidade, lazer para a população jovem, a qual se vê constantemente sem opções de entretenimento além de bares. Vale ressaltar que a população desses locais, em sua totalidade, é de cor predominantemente negra, afro-descendente. E (acreditamos) por conta desses fatores aqui expostos, percebe-se certo preconceito por parte de muitos moradores da zona urbana, especialmente das classes mais dotadas de recursos econômicos e intelectuais. Observa-se que há preconceito também por parte das classes menos favorecidas (econômica e intelectualmente falando) da zona urbana. Por que? Acreditamos que um dos motivos seria o padrão de beleza imposto pela mídia. Do cabelo liso, pele clara, olho azul, pelo uso das “variedades prestigiadas” na fala dos atores e ícones da grande mídia e principalmente, pela questão econômica. Não queremos entrar em maiores discussões sobre esse tema pelo fato deste ser muito vasto e exigir pesquisa de campo e, portanto um outro estudo à parte. Mas percebemos que os moradores de Serra Negra sempre viveram de maneira simples, sem muitos luxos, vaidades e ilusões da cidade. Em uma breve descrição do local e das pessoas certo morador disse: “Os mininu pretim que nem urubuzim anda de pé no chão, as muié de peitão, lata na cabeça e mininu na cacunda vai buscá água no funte. Quande é epa de fera o povo tudo sobe na carroceria do caminhão e vem da rua num solão...”. Não por acaso, mas acrescentamos a fala dessa pessoa por que este trecho nos dá uma certa visão da paisagem e do povo do local, mesmo sendo uma fala impregnada de preconceito, mas esta, de algum modo, soa como um poema. Talvez pela vida simples, mas na verdade notamos que o povo de Serra Negra possui um certo dom para a música e para a poesia. Essa fala preserva também expressões e variantes de um falante dessa região o qual não sofreu a influência dos meios de comunicação, da mídia e do processo de escolarização. E, o que é na verdade nosso foco de estudo, trata-se de um falante dotado de poucos recursos econômicos, e sendo assim, muito mais ligado à vida simples, à agricultura, à terra e, de certa forma “embrutecido” pela vida dura e escassa daquela região esquecida no semi-árido brasileiro. Recentemente, em muitas residências daquele local, foi introduzida a energia elétrica para “facilitar” a vida daqueles moradores. Isso significa luz elétrica, rádio ligado, televisão, celular e computador. E pode-se dizer que a variante acima esteja com os dias contados, pelo menos para as próximas gerações, principalmente por ação da televisão. Por experiência própria, notamos que os mais jovens, adolescentes não falam assim. É comum notar na pronúncia deles muitas expressões copiadas das novelas e das falas dos personagens das programações das telenovelas, o que em nossa visão, não se trata de nenhum avanço extraordinário na vida desse povo. Como já fora dito nas linhas introdutórias, vemos isso apenas como simples modismo e uma nova dimensão do complexo e sutil processo de dominação do homem branco, já que o uso de tais expressões dá aqueles adolescentes, uma ilusória sensação de status social e a fantasia de se igualar ao ator das oito ou a garota de Malhação. É a busca pelo conceito de beleza da TV brasileira. Percebe-se que o progresso naquela região tem acontecido de maneira lenta, e o que é pior, tem acontecido não de forma a: valorizar a cultura local, a fazer com que a juventude sinta orgulho de pertencer àquela comunidade sem a necessidade de deslocar-se para São Paulo em busca de trabalho na época da colheita do café, mas este (o progresso) tem acontecido de maneira a realçar os muros da era moderna que separam as classes sociais e as encerram nos cárceres da indiferença e do preconceito.



















2 Um “código restrito”

“De primera se chamava Casa Veia, porque era famado, lugar dos nego treitieiro, briguento e sem vergoin. Hoje se chama Serra Negra. As coisa deferençô um pouco, mas ainda num é de facilitá não”
(Manoel Messias Filho Matias, 70 anos. Agricultor.)

É comum ouvir alguém dizer que o Brasil, apesar de ser um país continental, imenso, todos falam a mesma língua. É mais fácil dizer que as oportunidades são iguais para todos, ao invés de refletir e procurar as verdadeiras causas das injustiças sócias. É extremamente simples ficar alheio, cego diante dos fatos socais que nos cercam. As pessoas são diferentes. Nossa sociedade está impregnada de contrastes brutais. Tão brutais quanto as tentativas da mídia em camuflar esse cenário. E falando em cenário, dentre os vários que formam esse imenso país desigual vamos voltar nosso olhar para um lugar, uma comunidade localizada no interior da Bahia, no meio do semi-árido brasileiro no município de Aracatu, distante a cerca de 600 km da capital, Salvador.
Como já foi dito no inicio desde capítulo, muitos acreditam na teoria da homogeneidade da língua em todo país. E, portanto quando se acredita em tal afirmativa, desconsidera-se inteiramente que na verdade nosso país é repleto de paisagens sociais diversificadas, e muitas delas, refletem a miséria, a pobreza, opressão política, a dominação e a alienação cultural. Não se pretende aqui fazer profundas análises sociais, mas (para nosso propósito) é difícil falar de preconceito, linguagem, variável linguística, dialeto, concordância verbal e uso do Tivo ou invés de Tive, ou Fisso versus Fiz, sem pensar no contexto social. Visto que linguística moderna (ao contrário do que prega Saussure concebendo a língua como um sistema fechado) considera sim, a influência do meio social na fala do indivíduo como o fez Labov (embora não tenha sido o primeiro) ao dar novos horizontes ao que se chama agora de Sociolingüística com seus estudos em Martha’s Viniard e o uso do “r” nos subúrbios de New York.
Começamos esse capítulo com uma frase de um morador da região onde realizamos nossas pesquisas e gravações. Trata-se de um homem da zona rural com quase nenhum estudo. No seu caso, assinaturas são possíveis apenas com o polegar na tinta e no papel branco. Mesmo sendo uma frase carregada de preconceito, ela reflete um pouco da visão que muitos moradores tinham no passado (e ainda no presente) dos que habitam na comunidade de Serra Negra. Percebe-se hoje, uma forma de preconceito não tão declarada, como a frase de início, mas um preconceito que vem, segundo nossa visão, em forma de descaso social e negação a direitos essenciais à cidadania plena, como por exemplo, água de qualidade para o consumo humano, alimentação, emprego, e dentre outros. Como já foi mencionado, não iremos fundo em análises de problemas sociais, mas tentaremos mostrar, de forma breve, o efeito socioeconômico influenciando a fala daqueles moradores. Sobre a questão socioeconômica, Mollica ressalta:

A fome, condições subumanas no que se refere à habitação, saúde, educação são barreiras instransponíveis e constituem impedimentos aos indivíduos à cidadania plena. Sabemos que o Brasil convive com esses agentes em diferentes graus a depender da localidade em nosso território.
(MOLLICA, 2004, p. 40)

Observa-se que nossa sociedade não prioriza uma melhor e mais justa distribuição de renda e nem acesso da massa flagelada aos bens de consumo, ou um padrão de vida mais digno, pelo contrário, a elite social de Aracatu alimenta um sistema que perpetua os mecanismos de concentração de renda e exclusão social, promovendo assim uma verdadeira política da diferença e da “apartação”. Portanto, concebe-se um princípio no qual se faz claro e intransponível os muros que separam pobres e ricos, realçando desta maneira as diferenças entre quem tem e não tem, material e culturalmente.
Culturalmente, pois, a educação fornecida pelas escolas locais, os padrões de vida de Serra Negra e Aracatu, (e para nosso caso, a fala) diferem substancialmente, são duas realidades distantes. Tão diferentes são, ensino das escolas e cultura local, que a fala dessa comunidade chega a parecer, em muitas situações, um código restrito. Após analisarmos a fala de um dos entrevistados notamos as seguintes variáveis, as quais não são comuns nas falas dos moradores da zona urbana, ou moradores de áreas mais desenvolvidas econômica e culturalmente:

Co = contração de QUE + EU
Pa = contração de PARA + A
Po= contração de PARA + O
MALÇO= MARÇO
BÁIM = BANHO

Além dos famosos casos de ausência de concordância verbal, os quais, via de regra, são largamente utilizados por muitos estudiosos e pela própria sociedade como instrumento de recalque e ascensão social. Ou seja, (supõem-se) quanto maior a presença de concordância verbal na fala de um indivíduo, maior chance ele tem de pelo menos ser aceito pelo grupo usuário das variedades prestigiadas. A título de exemplificação, encontramos na fala de um dos entrevistados:

40 ano - Nois tem - Nois deseja

Logo abaixo segue parte da fala de um morador de Serra Negra, o qual concedeu-nos gentilmente essa entrevista, e na ocasião ele revelou um pouco de sua realidade, e da situação local. Trata-se de um homem do campo, lavrador, como sugere suas palavras, de pouco estudo e recursos econômicos:

Nasci e criei aqui. Tem 40 ano “co” nasci e criei aqui.
Dos filhos estudando só tem um filho que estuda. Ta estudando ainda.
17 de “malço” fez 9 ano. 9 ano.
...nescessita porque...a proteção porque...porque aqui ta ruim de mais par nois. Mas fezê o que, nê? Tem que resistir o que vem pra nois...o que nois deseja...o que vem pra nois...
É só de cacimba. O que nois tem aqui é. Até pa baim, pa beber só de cacimba.

Como veremos ainda nas páginas deste trabalho, tais falas não podem ser estigmatizadas ou consideras inferiores em comparação á dita, “norma de prestígio”, pelo contrário, devem ser valorizadas e respeitadas por todos. Trata-se de uma cultura própria, e tal fala atua como uma espécie de “identidade da cultura local”. Cultura essa que se vê constantemente ameaçada muitas vezes pelas indiferenças dos conteúdos pregados em sala de aula que não valorizam essa identidade única e em vias de extinção. Ameaçada pela situação econômica dos moradores, os quais se vêem constantemente obrigados a se deslocarem para São Paulo e Minas Gerais na época da colheita do café, em busca de melhores condições de vida. Ameaçada pelos grandes meios de comunicação, os quais, a nosso ver, são um dos maiores vilões no sentido de impor uma cultura alienígena, dominante e imperialista. Percebe-se, que não apenas a fala está em risco, mas todo um legado cultural transmitido oralmente de geração em geração. De boca em boca. Causos, mitos e principalmente, a noção de identidade própria e auto-estima.
Observando a história, constata-se que imediatamente após a libertação dos escravos na metade do século XIX, a estes não foi garantido o direito à cidadania, o que não deixa de ser outra injustiça tão grande quanto a própria escravidão (observe a reduzida presença de negros em outdoors, em faculdades e na política), nem tão pouco às classes mais pobres de nossa sociedade, mestiços, índios, afro-brasileiros, lavradores, operários e moradores de periferias, foi assegurado o direito à distribuição de renda e acesso a educação de qualidade. Bagno em Preconceito Linguístico, 2004, ressalta a questão da injustiça social refletindo na língua dessa massa flagelada. E chama atenção para a questão da heterogeneidade do universo lingüístico no Brasil:

Ora, a verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país – que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito -, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo mundo. São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola.
(BAGNO, 2004, pág 16)



































3 Estigmatização das variantes linguísticas e identidade.

Mesmo tais falas sofrendo grande preconceito por parte dos falantes da “norma de prestígio”, elas atuam, segundo foi possível notar durante a visita à comunidade de Serra Negra, como mecanismos identificadores ou caracterizadores daquela comunidade, ou seja, essa maneira de falar e o uso de tais variantes confere àquela gente uma identidade própria, diferenciando-a das demais comunidades. Embora, infelizmente, tais variáveis muitas vezes não são aceitas pela comunidade linguística em geral.
Não bastasse o estigma social que recai sobre a referida comunidade por conta das carências econômicas e de infra-estrutura tanto na saúde, no lazer e principalmente na educação, recai, como já foi mencionado, o estigma sobre a linguagem, essa que já foi na introdução deste estudo, definida como sendo a segunda pele do indivíduo, responsável por assegurar, no meio de seu convívio, importante característica de individualidade e liberdade. Responsável também por assegurar-lhes o orgulho de pertencer a um determinado grupo, sem estigmatismos e, portanto plena consciência de seus valores étnicos e sociais enquanto cidadãos e indivíduos capazes de modificar a si mesmo e o meio a qual pertencem.

As variantes linguísticas estigmatizadas pela comunidade de fala possuem, muitas vezes, uma função de garantir a identidade do indivíduo com um determinado grupo social, um sistema de valores definido. Isso é, são formas partilhadas no interior de um grupo e assinaladoras de sua individualidade com relação a outros grupos sociais. Se um indivíduo deseja integrar o grupo, deve partilhar, além das suas atitudes e valores, a linguagem característica desse grupo. Nesse caso, determinadas formas de linguagem se investem de um status particular, embora sejam desprovidas de prestígio na comunidade lingüística em geral.
(MOLLICA, 2004, p. 40)

Acreditamos que o termo liberdade extrapola a definição do próprio termo encontrado no dicionário. Aqui, concebe-se liberdade como direito de ser livre para expressar-se conforme os costumes da comunidade, do grupo familiar, conforme as necessidades, labutas, alegrias, afeições, sabores... E acima de tudo, direito à cidadania, à educação de qualidade, empregos e salários descentes. Direito de permanecer em sua comunidade e manter seus costumes e identidade. Liberdade para usar a palavra independentemente dos status social e não sofrer nenhum tipo de preconceito por parte da classe dominante. Ou como disse Fromkin, em sua obra Introduction to Language:

A língua não é uma construção abstrata dos intelectuais ou daqueles que fazem dicionários, mas é algo que nasce do trabalho, das necessidades, laços, alegrias, afeições, sabores de longas gerações da humanidade, e tem suas bases bem largas e firmes.
(FROMKIN, 1997, p. 406, tradução nossa)

Na ocasião em que visitamos a comunidade, conhecemos uma jovem moradora do lugar. Casa simples, telhado baixo, piso de chão batido e muitas crianças chegando por conta de nossa presença e dos instrumentos de gravação. Ao que pareceu, gostaram de ver a própria imagem na telinha da câmera. Acompanhe a fala de Cione:

ENTREVISTADOR: Qual é seu nome?
Cione: Cione Costa Teixeira.
E: Você estuda?
C: Eu não.
E: Quantos anos você tem?
C: 18. Enterar 19 em dezembro. Eu tem meus fi na creche e mais nada e meu dinhero que sai.
E: Você vai à rua sempre?
C: Tem veiz so...tem veiz...que eu vo lá tirá meu dinhero...tem veiz que eu num vo não.
E: É o bolsa família?
C: É.
E: Quantos filhos você tem?
C: Eu tem 1. Eu tivo 3...só que foi...mais nasceu fora de tempo. Um foi de 4 e outro de 8 meis e agora eu só tem 1.

Para aqueles moradores ainda são precárias as opções de lazer. O alcoolismo é uma realidade da qual nem, jovens e crianças escapam. É comum a gravidez na adolescência ou abandono dos estudos por conta da busca por trabalho em outras regiões do país. Por outro lado, a televisão constitui-se uma forma de passa-tempo, visto que recentemente foi introduzida a luz elétrica em alguns locais da região. Há alguns metros do local onde fizemos essa gravação, encontra-se uma quadra poliesportiva (figura 1) que infelizmente não pode oferecer entretenimento aos moradores do local, pois se trata de obra inacabada, somente as paredes foram erguidas e assim estão por quase dois anos.
























4 Breve histórico da língua portuguesa na Nova Terra.

O português brasileiro, como já temos visto, difere substancialmente do português Luso, principalmente no que diz respeito à sua composição léxica. Um dos motivos que levou a tal disparidade atribui-se ao modo como a nova terra foi colonizada e devido a diferentes etnias que participaram desse processo.
Sabe-se que antes da chegada dos europeus no novo continente, já habitavam aqui milhares de nativos brasileiros, os primeiros donos dessa terra. O contato entre essas duas civilizações não foi pacífico. Para se ter uma idéia, alguns historiadores definem o processo de colonização das Américas como o maior genocídio da humanidade. Todavia, nota-se que os nativos não serviriam tanto para os portugueses enquanto mão de obra escrava, visto que estes possuíam espírito “selvagem”, e facilmente rebelavam-se fugindo para terra a dentro, uma vez que estavam em seu próprio habitat e o conhecia bem geograficamente. Então entra em cena a figura do escravo, trazido de além mar em porões de navios e em condições desumanas (estima-se que 40 a 50% deles morriam na viagem). Uma vez aqui, era impossível retornar. Para evitar rebeliões (segundo alguns historiadores), os colonizadores frequentemente, misturavam várias etnias de escravos, as quais falavam diferentes línguas (mais de 200) do continente Africano. Mas esses escravos precisavam, recorrer à língua do colonizador (língua alvo) para no mínimo dar e receber instruções básicas. Os filhos e filhas de escravos, ou seja, os novos brasileiros afros descendentes aprendiam não a sua língua de origem, mas o português, e, diga-se de passagem, um novo português em transformação, processo esse definido por Lucchesi como processo de transmissão lingüística irregular de tipo leve. A nova língua se formava recebendo contribuições do léxico africano trazido por escravos dos mais variados pontos da África, os quais, segundo Lucchesi, se tornariam fundamentais no processo de difusão da língua portuguesa na então sociedade brasileira. Uma das características dessa língua, aprendida de maneira rústica e informal, a qual inicialmente tinha por função atender necessidades básicas (dar e receber ordens), era a ausência de concordâncias e flexão de caso dos pronomes pessoais. Característica essa que atravessou a história do PB (Português Brasileiro) e acompanhou as classes desfavorecidas de nossa sociedade até os dias atuais (tabela 1 e 3) e inclusive, como temos visto, na fala dos moradores mais velhos e jovens com estudo precário (exemplo de Cione no capítulo três) da comunidade de Serra Negra.
Tabela 1
PORTUGUÊS POPULAR PORTUGUÊS PADRÃO
Eu falo Eu falo
Você/tu fala Tu falas
Ele/a fala Ele fala
Nós/agente fala(mo) Nós falamos
Vocês fala Vós falais
Eles fala(m) Eles falam























4.1 A importância dos africanos na difusão do idioma luso-brasileiro.

Como se sabe, através da leitura dos livros de história, os escravos africanos contribuíram enormemente para o enriquecimento da metrópole e, posteriormente, no desenvolvimento econômico Brasil. Além desse fator, os afro-brasileiros cooperaram para difundir o português brasileiro nos vários setores nos quais estavam inseridos, inclusive através de sua cultura e costumes trazidos da Terra Mãe. No entanto, ainda nos dias atuais, a maior parte dos afro-brasileiros ainda encontra-se na base da pirâmide social, fazendo parte do inegável quadro de exclusão social do país. Mesmo sendo importante agente na formação da sociedade brasileira, historicamente ele tem ficado de fora das grandes decisões e dos principais postos intelectuais e políticos, ou como reforça Lucchesi:

O genocídio das populações indígenas e a sua resistência à integração à sociedade colonial, sobretudo nos centros urbanos, fizeram com que o negro africano se tornasse o esteio da mão-de-obra da colonização do Brasil. Inserindo-se nos diversos setores da atividade produtiva, mas concentrando-se na base da pirâmide social, os africanos e seus descendentes constituem um elemento fundamental na formação da sociedade brasileira e na expansão da língua portuguesa para todo o território brasileiro.

(LUCCHESI, 2003, pág. 152)

Na metade do século XIX ocorre o fim do tráfico de escravos e, portanto, o uso das línguas africanas no Brasil entra em decadência. Por outro lado, Os afro-descendentes, procurando a inserção na sociedade brasileira, foram obrigados a abrir mão de suas origens e do seu legado cultural proveniente de seus ancestrais já que esse aspecto cultural foi e tem sido considerado sub-cultura diante dos padrões e europeus e norte americano. Com o passar do tempo o uso das línguas de origem africana foi se restringindo a espaços cada vez mais reduzidos, como em cerimônias festivas e religiosas, terrenos de candomblé, na culinária ou como língua secreta em algumas comunidades. Assim, restringir o uso de uma determinada língua constitui a maneira mais fácil para levá-la à extinção.
Observando a tabela 3, nota-se como o número de escravos no Brasil teve seu apogeu no século XVII por conta da descoberta das primeiras minas de ouro na região de Minas Gerais, após então decaindo até atingir a margem dos 2% na metade do século XIX com o processo de abolição forçado, é claro, pela Inglaterra que via a escravidão como algo “vergonhoso para os novos tempos”. Nota-se também o aumento considerável da presença de mestiços na composição étnica da então sociedade brasileira a partir do século XVI e atingindo a margem dos 42% no século XIX, talvez isso se atribua ao velho processo de “branqueamento” da população brasileira visando, de certa forma, igualar ao padrão europeu.

Tabela 3
1583 1600-1601 1700-1701 1800-1801 1850-1851
Africanos 20% 30% 20% 12% 2%
Negros brasileiros - 20% 21% 19% 13%
Mulatos - 10% 19% 34% 42%
Brancos brasileiros - 5% 10% 17% 24%
Europeus 30% 25% 22% 14% 17%
Índios integrados 50% 10% 8% 4% 2%
Fonte: www.vertentes.ufba.br

Vale ressaltar que a partir do século XVIII, com a vinda da família real para o Rio em 1808, por conta do bloqueio continental imposto por Napoleão Bonaparte, a língua portuguesa encontrou forças para firmar-se enquanto língua nacional, já que essa era a língua da Metrópole. Esse processo também foi anteriormente estimulado pela vinda em massa de portugueses à nova terra em busca de enriquecimento nas recém encontradas minas de ouro. Tal fenômeno fez com que o processo de urbanização se iniciasse no país forçando assim, como definiu Lucchesi, o processo de Lusofonização do Brasil. Com o desenvolvimento das metrópoles após o século XX, por conta das exportações do café, do processo de industrialização incentivado pela primeira guerra mundial, os padrões culturais e lingüísticos da metrópole foram adotados pela então elite dominante, enquanto que a língua “menos prestigiada”, e certamente a mais falada no país, foi consequentemente “empurrada” para os locais considerados como periféricos em nossa sociedade: interiores, sertões e favelas. A Semana de Arte Moderna e 1922 veio questionar o conceito de cultura defendido pela elite social e apresentar ao público uma nova concepção de arte na qual a principio tinha como lema, valorizar o que era nosso, a identidade própria. No decorrer da história, alguns aspectos da cultura das massas populares, começaram a ser aceitos e a cair no gosto da elite brasileira, a exemplo do samba que desceu dos morros e cortiços e têm suas origens africanas, o hip hop a culinária (feijoada, acarajé, vatapá etc.) as expressões de origem africanas, e porque não citar o próprio carnaval juntamente com as festas da Bahia. Mas deve-se considerar que no país ainda reina nefasta desigualdade social que empurra grande parte dos brasileiros para as periferias sociais e culturais, inclusive, como temos dito, através do próprio uso da língua. Lucchesi ressalta que o próprio padrão normativo da gramática tem sido usado como ferramenta de exclusão social a qual faz violento contraste com a real situação brasileira onde a língua e status social estão intimamente relacionados:

A subserviência lingüística não é apenas reflexo de um lastimável estado de espírito de submissão cultural e ideológica da elite brasileira aos modelos da dominação das grandes potências imperialistas, desde o século XIX até os dias atuais. [...] A adoção de um padrão normativo estranho à realidade lingüística do país integra um projeto elitista de poder e de exclusão social, no qual a grande maioria da população do país deve ficar fora dos centros de decisão política e da distribuição da riqueza nacional, até porque “nem sequer sabe falar o idioma pátrio”. O outro lado da moeda desse elitismo lingüístico é o pesado estigma social que recai sobre as variantes lingüísticas mais notáveis da fala popular brasileira.

(LUCCHESI, 2003 Pág. 158)

E, segundo o mesmo autor, os casos de concordâncias têm sido usados, não raramente, como instrumentos de recalque em meio à essa realidade lingüística e social de nosso país. Todavia, é preciso entender que há certa contradição no que diz respeito ao uso da “língua padrão” na valorização da pessoa. Ou seja, promover a ascensão do indivíduo em nosso país, vai muito além do que modificar sua fala “colocando em sua boca” a variedade culta. Se assim o fosse, todo professor (especialmente o de português) estaria desfrutando de um bom nível social, como ressalta Bagno, em Preconceito Linguístico, o que obviamente não acontece nesse país. Valorizar o indivíduo consiste, a princípio, em dotá-lo de condições sociais para que esse possa viver dignamente. Direitos básicos, como alimentação, saneamento, moradia, emprego e lazer, ainda não são assegurados a uma grande parcela de nossa população, especialmente para os que vivem à margem da elite social, exemplo de Serra Negra-Ba.


O que está em jogo não é a simples “transformação” de um indivíduo, que vai deixar de ser um “sem língua padrão” para tornar-se um falante da variedade culta. O que está em jogo é a transformação da sociedade com um todo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a “ascensão” social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica, pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.

(BAGNO, 2004, pág. 71)












5 VARIANTES LINGUÍSTICAS DA COMUNIDADE DE SERRA NEGRA

Até aqui falamos das condições sociais dessa comunidade. Das dificuldades e, em muitos casos, o preconceito e a exclusão que esse povo tem sofrido, mas além de tudo isso que nos impressionou durante a visita ao local, foi o aspecto cultural e humano dessa comunidade que chamou atenção, e como o tema de nosso estudo “caminha descalço” no terreno da Sociolingüística, julgamos importante ressaltar as variantes presentes na fala dessa comunidade de afro descendentes, onde muito dos quais, ao longo de sua história, não permitiram a miscigenação e, portanto, preservaram os traços físicos (e de certa forma lingüísticos também) dos seus antepassados da terra mãe (figura 2, pág. 33). Claro que para desenvolvermos melhor essa teoria, precisaríamos de dados mais concretos e documentos fieis da gênese e história da formação dessa comunidade, cujas raízes certamente remontam os tempos dos navios negreiros e dos grilhões.
Infelizmente, quase tudo que se tem sobre o passado dessa comunidade, se encontra na memória dos seus moradores mais velhos, versados na arte de contar causos. Essa é a única maneira de retroceder no tempo e voltar ao passado da comunidade de Serra Negra, (que antes se chamava Casa Velha), ou seja, por meio da memória popular.
Mas voltando a falar sobre as variáveis, notamos em muitas situações (sem querer fazer juízo de certo ou errado), durante as entrevistas, casos interessantes de concordância nominal e verbal (ou ausência destes) e principalmente, simplificações morfológicas como pode ser observado na tabela 3:
Tabela 3
Simplificação
Morfológica Concordância
Verbal Concordância
Nominal
Fisso (fiz) As muié
Mixi (Mexi) 6 meis
“co” (que eu) Nois chegava A noite
Tivo (tive) Nois tinha Os mininu
Di (dei)
Mininu (menino) As luiz
Percebe-se então nos casos de fisso (fiz), mixi (mexi), di (dei) e co (que eu) a situação de simplificação ou simplificação morfológica. Acreditamos que tal fenômeno ocorra, principalmente, por influência da transmissão lingüística irregular, ocasionada durante a época da colonização , teoria essa defendida por Lucchesi, em O Conceito de Transmissão Lingüística Irregular e o Processo de Formação do Português do Brasil. Observe a um trecho da entrevista feita com Luciana Maria Teixeira de Jesus, 106 anos, a qual nos contou que era filha de escravos. Observe as variedades nois morava, os homi, muié, Antoin, presentes em sua fala:

Quando nois morava lá no Santo Antoin
Que nois tinha uma tia
Que é a tia Irmâ Filipa
Ela era muito rezadera
Quando era dia de reza
Rezava em casa, tinha uma varandona
Ela mixia a varanda...durante nois num chegava...cadê a tia de Lorenço?
Senta tudo aqui...
Os homi acho que era cinco ou seis.
Agora nois era mais de oito, as muié.
Aí agora, o mais eu num sei conversar
O povo disse que eu tô doida

Essas variedades representam, segundo Dr. Lucchesi, o reflexo pluriétnico da formação da PB, embora, como Já foi mencionado nesse estudo, sobre tais variedades recaia demasiado preconceito, sendo em muitas situações, constrangedor para aqueles que as utilizam, especialmente nos casos de concordância. Então, por conta das pressões impostas pela escola, pelos grandes meios de comunicação e pela própria sociedade, aqueles que desejam alcançar uma posição de destaque econômica e culturalmente, (portanto os falantes mais jovens da comunidade) vão sistematicamente abrindo mão de suas raízes, de suas origens e assimilando outros valores os quais não condizem com sua realidade. O que não é verdade (senão hipocrisia), uma vez que para alcançar melhores condições sociais, como ressalta Bagno em Preconceito Linguístico, o indivíduo precisa alterar muito mais do que a fala, precisa mudar de condição social, o que não fácil nesse país. E aqui, mais uma vez observa-se a influência do fator sócio-econômico atuando não somente na fala, mas no próprio legado cultural do ser humano.
Não se observa, ainda, ações por parte da sociedade, no sentido de promover a aceitação e a valorização desses falantes enquanto cidadãos, como já foi dito em outras linhas deste trabalho. E acreditamos que, promover a valorização dessa comunidade inclua principalmente, o acesso a melhores condições de vida, (econômica e culturalmente falando), e serem respeitados independentemente da fala, do local onde vivem, embora afastado da cidade, e independentemente de raça ou cor.

Com o desaparecimento das línguas veiculares africanas e das variedades crioulas, a contribuição mais notável da presença africana na língua nacional é ampla simplificação morfológica que afeta as regras de concordância nominal e verbal e a flexão de caso dos pronomes pessoais, em suas variedades populares. Não é por acaso que, exatamente sobre essas características da fala popular, recaia o mais forte estigma social. A simplificação morfológica nada mais é do que o reflexo lingüístico mais notável da origem pluriétnica da sociedade brasileira. E o preconceito, que os grandes meios de comunicação renovam e fortalecem, constitui um poderoso mecanismo de desqualificação e de recalque da fala e a fortiori da voz dos segmentos que constituem a grande maioria da população brasileira.
(LUCCHESI, 2003, pág. 176)

Vivemos em uma sociedade, que aparentemente, diz não sustentar preconceitos. Mas, em certa ocasião, durante os desfiles de sete de Setembro em 2009, tivemos a desagradável oportunidade de registrar o seguinte fato:
Alunos de várias escolas, em grupo, iam desfilando pelas ruas de Aracatu vestidos conforme o tema escolhido. Os temas variavam: folclore, invenções tecnológicas, grandes descobertas entre outros. Os alunos de Serra Negra, por sua vez, estavam vestidos de índios e, portanto representando a cultura indígena. Ao passarem por certo grupo de expectadores (metidos a classe a média, que se consideram, a nata, daquela sociedade medíocre), foram vaiados e ridicularizados. Talvez, por serem de origem simples, e estarem representando um tema que “não condiz com a modernidade”. Mas de qualquer forma, não nos cabe fazer tal julgamento. Só foi exposto esse fato, para mostrar que o preconceito ainda permanece e continua vivo e cabe a todos combate-lo. Essa tarefa é de todos e inclusive dos profissionais acadêmicos.






























6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que nos levou a realizar tal pesquisa e elaborar esse trabalho de conclusão de curso ou por em prática a bagagem teórica adquirida durante anos de estudo nessa instituição, foi muito mais além da busca por uma nota e reconhecimento. Foi acima de tudo o desejo de expor um aspecto frequentemente ignorado ou desconhecido no interior do sertão pela nossa elite social. Reconhecemos que no presente estudo reflete apenas uma síntese da realidade sócio-cultural e econômica de Serra Negra. Conclui-se pois que, sem a valorização do universo cultural dessa comunidade e principalmente, a inclusão econômica desses moradores será impossível resolver seus problemas históricos e sociais aqui mencionados. Ainda não podemos pensar em uma solução drástica e definitiva, mas pelo que foi exposto nota-se que é necessário promover (por parte dos líderes políticos e sociedade em geral) a inclusão socioeconômica daquela comunidade, ou seja, estabelecer uma política de emprego visando a permanência dos moradores no local, evitando assim o deslocamento rumo aos grandes centros urbanos.
Infelizmente, nossa política local ainda se parece como uma espécie de oligarquia em pleno século XXI, onde os representantes do povo não demonstram interesse em solucionar de forma permanente as questões sociais de Serra Negra, pelo contrário, a maioria das ações tem caráter paliativo e emergencial, visando a manutenção de verdadeiros “currais eleitorais”.
No âmbito educacional, notamos a necessidade de valorizar a educação e repensar o ensino nas escolas da comunidade no sentido de incentivar, como já foi mencionado, a cultura local e as raízes históricas daquela gente, bem como promover o lazer e a conscientização da juventude quanto a ameaça das drogas, da gravidez sem método e do alcoolismo.
Como vimos no capítulo cinco, o preconceito ainda existe e precisa ser identificado e combatido, incluindo a segregação linguística e foi possível notar a estreita ligação do fator sócio-econômico com a existência e manutenção desse preconceito. E finalmente, não se pode negar a relação entre a fala do indivíduo e sua condição social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CARENO, Mary Francisca do – UNAERP. VESTÍGIOS CRIOULOS NA FALA RURAL DE SÃO PAULO GT: Afro-Brasileiros e Educação / n.21

FROMKIN, Victoria. Introduction to Language. Harcourt Brace. 6th edition. 1997.

KERSWILL, Paul. Socio-economic class. In Carmen Llamas & Peter Stockwell (eds.) The ROUTLEDGE, Routledge Companion to Sociolinguistics. London: 2006.

Lucchesi, Dante "As duas grandes vertentes da história sociolingüística do Brasil", D.E.L.T.A., São Paulo. 2006.

LUCCHESI, Dante. O Conceito de Transmissão Lingüística Irregular e o Processo de Formação do Português do Brasil. Rio de Janeiro, 2003.

LUCCHESI, Dante. Sistema, Mudança e Linguagem. Parábola Editora. São Paulo. 2004.

MOLLICA, m. c de M. Introdução á Sociolingüística. Editora Contexto. 2004.

OLIVEIRA, Marilza de. O Português Brasileiro e as línguas crioulas de base portuguesa/ USP Apresentado no XIV CONGRESSO DA ALFAL Monterrey, México 17-21 outubro de 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. A Origem da Desigualdade Entre os Homens. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal. Escala. São Paulo. 2007.


SONDHI, RanjIt. The Politics of Equality or the Politics of Difference? Locating Black communities in Western Society.

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