Por Waldenor Pereira
A relativa proximidade das eleições municipais
gerais de outubro estimula a reflexão sobre o funcionamento do Estado
democrático de direito que estamos construindo no Brasil, sobre seus
méritos e suas insuficiências, particularmente no que diz respeito à lisura da
representação política e ao correto funcionamento da máquina pública. A
consolidação do Estado democrático sempre esteve no centro das preocupações do
PT e é, rigorosamente falando, uma das principais razões de existirmos como
partido. Meus correligionários e eu nunca devemos esquecer disso. O
primeiro desafio que enfrentamos é o de encontrar o meio termo que nos permita
valorizar o que já alcançamos em termos de avanço institucional sem que isso
nos leve a subestimar o muito que ainda nos resta fazer. O certo, contudo, é
que, apesar de todos os avanços, pouco a pouco volta a se disseminar pela
sociedade o sentimento de que a esfera política não funciona à altura do que
nossos concidadãos anseiam e merecem. Certamente uma parcela desse sentimento advém
de setores sociais que perderam privilégios com o aprofundamento da democracia
e o fortalecimento das demandas populares. Mas seria um sério erro
descaracterizar, por conta disso, a preocupação ética legítima que se espalha
pelo país.
Como
membro titular da Comissão Especial da Reforma Política, instalada na Câmara
dos Deputados no ano passado, posso testemunhar, ao longo dos nossos trabalhos,
a angústia de cidadãos e entidades comprometidas com o bem-comum frente à
iminência de que uma possível decomposição da esfera política colocasse em
risco até os avanços sociais que recentemente alcançamos. Resumidamente, o que
a população percebe é que a abertura do Estado brasileiro a um nível mais
elevado de participação popular não eliminou sua permeabilidade a influências
deletérias, escusas mesmo, que se infiltram em suas relações com a sociedade.
Sendo
assim, não devemos, por razão nenhuma, e muito menos por corporativismo, negar
que é correta a percepção popular negativa quanto ao funcionamento dos órgãos
de representação política. A única atitude responsável da parte dos
representantes eleitos do povo consiste em assumir claramente posição ao lado
da sociedade civil no combate às deficiências de nosso Estado de direito e de
nossa democracia.
É
imprescindível alertar sobre a complexidade da tarefa que temos pela frente.
Não basta, por exemplo, que restrinjamos nossa intervenção às instituições
representativas em sentido restrito. A ação em prol da ética e da transparência
nas relações entre o Estado e a sociedade exige a combinação de esforços nas
mais diversas áreas, assim como a aliança entre agentes que atuem em todas
elas. No entanto, não podemos deixar de pensar que a responsabilidade nessa
luta é, mais que nada, dos parlamentares e do Parlamento, que estão, afinal, no
centro mesmo do regime democrático.
Estamos
convencidos, também, de que não podemos nos esconder atrás da real necessidade
de reformas institucionais estruturais para diminuir nossa responsabilidade
pessoal enquanto detentores de mandatos de representação política. Para nós,
que estamos no Congresso Nacional por escolha popular, o ponto de partida de
qualquer atitude transformadora é nos imbuirmos da dignidade de nosso cargo.
Imbuídos dessa dignidade, jamais nos deixaremos cooptar por um sistema de
privilégios perfeitamente capaz de distribuir benesses a seus apoiadores ou até
aos apenas omissos.
Ousamos
afirmar que estamos em um momento favorável para quem deseja resistir às
tentações do poder e do dinheiro e comprometer-se com os anseios populares de
lisura no trato da coisa pública. Dizemos isso porque temos a convicção de que
o representante só chega a exercer na plenitude sua vocação quando há
mobilização social a sustentar seu esforço pessoal. E percebemos que estamos
entrando em um período de ressurgimento da militância pelo controle popular do
Estado.
O que
temos visto recentemente é uma retomada da capacidade de indignação e de
mobilização social no Brasil. Não é outro o significado da pressão popular para
a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Complementar nº 135, de 2010,
chamada Lei da Ficha Limpa, assim como do recente acompanhamento dos movimentos
sociais às decisões do Supremo Tribunal Federal sobre as prerrogativas do
Conselho Nacional de Justiça. Também se inclui no pacote de boas notícias a
excelente repercussão social das atitudes firmes da presidenta Dilma Rousseff
frente a qualquer caso de suspeita de corrupção em qualquer escalão de seu
governo.
Dois
aspectos pontuais merecem destaque dessa ampliação de perspectiva, um, referente
aos meios de comunicação, outro, referente ao lado ativo da corrupção da
máquina pública, o lado dos chamados corruptores. São temas que não estão sob o
monopólio de nenhum grupo ou setor, mas se encontram em avaliação por muitos
movimentos e organizações sociais e por cidadãos interessados em geral.
Ademais, dentro do próprio Estado e entre os representantes eleitos da
população, não temos sido poucos os que dirigimos a maior e a melhor parte de
nossa atenção para essas questões.
Os mais
maduros recordarão que nas lutas pela abertura política nas décadas de 1970 e
1980, o tema da comunicação era candente. Já se havia disseminado pelo mundo a
percepção de que a convivência democrática facilmente se incompatibilizava com
a concentração do controle dos meios de comunicação em poucas mãos.
Por mais
que tenhamos críticas ao processo eleitoral e partidário e que desejemos
ardentemente aprimorá-lo, dificilmente se negará que avançamos mais nesse campo
que no campo paralelo da democratização do acesso aos meios de comunicação de
massas. Os setores progressistas da sociedade precisam, portanto, retomar a
bandeira da liberdade de expressão e dar-lhe sua verdadeira significação
libertária, que é a de garantir ao maior número possível de atores sociais a
oportunidade de se expressarem no cenário público.
O segundo
aspecto do esforço pela superação dos desvios observados na atuação do Estado
em que se mostra imprescindível uma ampliação de perspectivas em direção à
sociedade civil diz respeito às iniciativas dos agentes privados corruptores da
esfera pública. Os indivíduos que atuam na esfera privada são tão cidadãos como
os que atuam na esfera pública e quando eles tentam corromper o funcionamento
do Estado de direito estão ferindo o interesse público tanto quanto o servidor
que faça o mesmo. Não pode haver complacência legal frente a essa atuação
espúria.
A batalha
contra a corrupção e a favor da transparência no funcionamento da máquina
pública se trava simultaneamente na esfera estatal e na esfera socioeconômica.
Se um dos dois lados é descuidado, todo o processo será prejudicado.
O clamor popular por ética e transparência no funcionamento do Estado tem repercussões sobre todas as esferas de nossa sociedade. A única resposta adequada, portanto, é um verdadeiro mutirão que envolva os setores mais conscientes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, dos meios de comunicação públicos e privados e da sociedade como um todo na luta contra os focos, públicos e privados, de corrupção.
O clamor popular por ética e transparência no funcionamento do Estado tem repercussões sobre todas as esferas de nossa sociedade. A única resposta adequada, portanto, é um verdadeiro mutirão que envolva os setores mais conscientes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, dos meios de comunicação públicos e privados e da sociedade como um todo na luta contra os focos, públicos e privados, de corrupção.
Dentro
dessa ampla coalizão de vontades, no entanto, não se pode deixar de salientar o
papel especial dos representantes eleitos do povo. Não é que a correção e a
lisura em outras áreas da vida sejam secundárias para o bom funcionamento da
sociedade. Mas é na qualidade da representação política que uma comunidade
nacional pode expressar o que tem de melhor. E, apesar de suas limitações, as
eleições são ainda fonte relevantíssima de energia democrática para as
instituições políticas contemporâneas.
Não é
mais possível que o Legislativo se mantenha praticamente inerte em relação ao
tema consensualmente decisivo para o avanço da lisura nos pleitos eleitorais,
com amplos reflexos sobre a proteção da máquina pública contra influências
deletérias oriundas das campanhas eleitorais. Referimo-nos, obviamente, à
regulamentação do financiamento das campanhas. Como muitos outros parlamentares
e cidadãos interessados na matéria, estamos convencidos de que o Brasil deve
adotar o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Precisamos
dar passos consistentes na direção do controle à verdadeira manipulação da
vontade popular que o financiamento de campanhas nos moldes vigentes tem
permitido e até facilitado.
Por fim,
é imprescindível chamar à responsabilidade dos principais agentes da disputa
política, programática e ideológica em nosso país, que são os partidos
políticos e seus filiados. A legislação brasileira dota os partidos políticos
de extraordinária prerrogativa exclusiva. Eles são as únicas entidades a que se
faculta a apresentação de candidaturas nos pleitos. Ora, essa prerrogativa só
pode ser entendida como uma grande responsabilidade. Cabe aos partidos definir
linhas programáticas claras e escolher seus candidatos a partir do compromisso
com essas linhas, ao contrário do que muitas vezes acontece com as listas de
candidaturas partidárias, verdadeiros sacos de gato que pura e simplesmente
tornam impossível que o sistema partidário ganhe consistência política,
ideológica e programática.
E quando
falamos na responsabilidade dos partidos políticos, estamos falando da
responsabilidade de todos aqueles que têm militância partidária, ou seja, de
nossa responsabilidade. Ninguém pode considerar-se totalmente inocente se um
cidadão filiado a seu partido se revelar indigno de exercer mandatos de
representação política. Afinal, em princípio, todos zelamos pela conduta das
agremiações a que pertencemos. Não nos esqueçamos disso ao longo do período de
preparação para as eleições municipais de 2012.
Waldenor Pereira é deputado federal pelo PT.
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